domingo, 21 de março de 2010

Já leram isso?

Porque não desenhar de graça.

Todo mundo já ganhou uma caixa de lápis de cor ou um jogo de lápis de cera quando criança e desandou a desenhar os pais, monstros, o cachorro e o que passa na TV. Gastou uma floresta em cadernos de desenho e várias paredes tentando expressar sua criatividade.

Isso faz do desenhista o primeiro ensaio de profissão que uma criança pode ter, tanto quanto ser um jogador de futebol (virar médico por causa da prima não conta).

Portanto, é natural que todo ilustrador tenha uma paixão natural pelo seu trabalho.
Quem era desenhista e virou ilustrador é porque ou teve um talento nato ou desenvolveu com a prática, mas sempre teve um motivador que percebeu que tinha o poder de criar algo com a mente e as mãos.

Se você resolveu ganhar a vida com o dom do traço, com certeza passou por alguns micos na família e entre amigos. “Você vai morrer de fome”, ou “vai vender desenho na Praça da República”, ou “Seu irmão é quem deu certo, virou advogado”. Você vai conhecer um ou outro que foi abandonado pela namorada porque achava que ele não tinha futuro, que ia acabar com o cabelo sebento, com um bloco de desenho e um vira-latas amarrado com barbante, deitado no meio da sarjeta. Mesmo assim foi em frente, mesmo com o mundo apostando as fichas em outro cavalo.

Sou ilustrador e não desisto nunca

Nunca vi um ilustrador que desenhasse por obrigação ou só para pagar as contas. Nunca vi um ilustrador que ficasse olhando o relógio a cada 5 minutos na expectativa de chegar as 6 da tarde e ir embora correndo pra casa. Todo ilustrador tem uma característica: tem uma paixão pelo que faz.

E por que não me refiro mais como desenhistas, mas sim como ilustradores?

O desenhista desenha por pura paixão. Dá um rim porque acredita no que está fazendo.

O ilustrador também desenha por paixão. Mas ao contrário do desenhista, ele vira profissional.

E ser profissional não é simplesmente ganhar dinheiro com desenho. Primeiro grande erro que a maioria dos desenhistas têm.
O ilustrador têm que ganhar dinheiro sim, e isso se torna uma relação comercial. São negócios. O ilustrador vira um comerciante de si mesmo, vende o que tem de melhor que é seu talento.

O ilustrador segue regras. Simples assim.

Regras comerciais (entre ele e o cliente) , regras contábeis e financeiras (passar nota e administrar a grana), regras legais (saber seus direitos e deveres perante a lei), regras pessoais (para não desvirtuar do que acredita) e regras éticas (para ter uma coerência com toda a classe dos ilustradores).

Se não segue regras e desenha o que quer, por que quer e não consegue argumentar com o cliente, então desculpe, tá confundindo arte com negócios.

E um dos maiores erros que vejo por aí é a terrível combinação de talento + insegurança pessoal + picaretagem dando frutos monstruosos.

Isso gera gente que pede desenho de graça. E gente que aceita fazer isso.

Uma coisa é sua namorada ou sua tia pedindo um desenho pro cartão de aniversário da irmã.

Outra coisa é um empresário que pede uma ilustração de graça (ou para teste) com as mais variadas desculpas. As mais famosas são:
“Seu trabalho vai ter uma divulgação tremenda”.
“É bom pro seu portfólio”.
e a mais famigerada: “Esse é de graça, mas depois você vai ter outros bem remunerados”.
“É um trabalho de risco, se for aprovado você ganha”.
Tem uns mais indecentes que dizem simplesmente “Se não fizer, tem gente que faz”.

Pois bem. Acho que nesse ponto eu tenho alguma autoridade pra dizer que isso é a mais pútrida e cadavérica mentira.
Trabalhei mais de 10 anos numa grande agência fazendo o papel duplo de diretor de arte e iustrador. E nesse período, fiz o trabalho também do que hoje se chama “art buyer”, ou seja, contratava ilustradores e fotógrafos para alguns trabalhos.

E eu posso dizer com certeza:
• Nenhum trabalho garante que outros trabalhos virão por causa dele.
• A divulgação é uma conseqüência natural do seu trabalho, é como dizer para um barbeiro que não vai pagar o corte porque vai divulgá-lo por aí.
• Quem é a anta que disse que ilustrador precisa de material publicado para colocar no portfólio?

Primeira coisa que deve ser lembrada, ó desenhista desesperado por atenção e do vil metal para dar estímulo à carreira:
O que você vai dar de graça vai ajudar o lamuriante picareta a ganhar dinheiro. Seja em embalagem, anúncio, revista, tatuagem, o que for. Ele vai ganhar dinheiro e você não!

Isso é uma afronta, uma ofensa profissional e um desrespeito pessoal.
Você não sai na sorveteria pedindo um sorvete de graça prometendo comprar um monte na próxima vez, certo? Nem pede pra cortar o cabelo de graça pra você fazer divulgação do salão. Nem pede pro marceneiro fazer um armário de graça para ele colocar no portfólio.
Mas por que pedem isso pro desenhista?
Por que ele não liga, desenha com paixão e faz rapidinho…na verdade estão fazendo um favor pra ele.

Acontece algo parecido com os médicos.
Qualquer médico em uma festa é interpelado uma ou duas vezes por um gaiato que quer um diagnóstico na hora mostrando um furúnculo na bunda enquanto segura um copo de vinho.
Já que está ali, vamos aproveitar.
Mas pelo que eu sei, a maioria dos médicos já cortam o barato no meio. Dá o cartão e pedem pra passar amanhã no consultório.

Desenhistas deveriam ter a mesma postura.
Isso é necessário para ter uma integridade pessoal e financeira para o ilustrador, e principalmente, para todos os ilustradores.
A regra é simples: Se existem pessoas que pedem isso é porque existem pessoas que o fazem.
E não trazem leite pra casa, mas algumas promessas e um punhado de feijões mágicos.

Abrindo as portas da percepção

Eu já passei por isso. No começo da minha carreira como autônomo, inseguro, perdido e ingênuo como coelho Tambor, aceitei um trabalho de risco, ainda mais porque era amigo de um amigo meu que não vejo há anos.
Quando vi o quanto o cara ganhou com meu trabalho e vi que toda dor e lágrimas que me passaram eram falsas como as promessas, minha barriga doeu de raiva e indignação. A partir daquilo nunca mais.

Existem situações mesmo em grandes agências onde me pedem um “trabalho de risco”. Ou mais descaradamente, “precisamos de um desenho para layout da campanha que ainda vai ser aprovada”. Não é coisa vinda de um Zé Ruela da esquina.
Mesmo dizendo que tenho uma tabela de valores para ilustrações para layouts, sem aprovação do job, há aqueles insapientes que insistem na “filosofia do risco”.

Recuse e recuse com orgulho. É estupro profissional e pessoal, sua auto-estima vai ficar no nível da sola do pé com o tempo.

Não existem exceções? Claro que existem, mas são raras e tem critérios muito pessoais. Pra fins beneficentes, por exemplo. Nem encaro como risco, mas como doação mesmo. E pára por aí.

Recebo todos os dias pedidos de trabalho de graça, de ongs, de cultos religiosos, de escolas, de empresas falimentares, de meninas mimadas, de editoras sem noção, de tudo quanto é tipo.
Para estes, ignorá-los não se tornou apenas uma opção, virou uma necessidade.

O Efeito Borboleta

Só pra entenderem o que isso causa, há 20 anos os valores pagos por ilustração eram bem diferentes. Tudo bem que antes não existia computador e tudo era feito na raça, mas a relação entre valor e direito de uso de imagens não mudou.

A diferença é gritante, principalmente no meio editorial. Uma ilustração de página dupla que hoje sai por uns R$600,00 antes era o dobro do valor, e até mais do que isso. O achatamento dos valores foi progressivo até chegar o que é hoje. E sabe o que é pior? O achatamento não parou por aí. Vai continuar até chegar na espessura de uma panqueca. E, se isso acontece em uma das maiores editoras do Brasil, imagine o que não acontece nas Boca-de-Porco Publishings?

Cheguei a pegar uma época em que ser ilustrador era sinônimo de ser rico, sem exageros. Ganhava-se muito bem, e foi um dos motivadores de eu largar a Biologia pela Ilustração. Não me arrependi de ter feito a troca, mas fico triste e ensandecido quando vejo o respeito financeiro que a ilustração vem tomando no Brasil, o suficiente para cogitar a possibilidade de trocar de país.

Até mesmo Cacilda Becker, cansada de receber pedidos de convites de graça das suas peças de teatro, grudou um recado no vidro da bilheteria dizendo: “Não me peça de graça a única coisa que tenho pra vender”.

Autor: Hiro

http://blog.hiro.art.br/2006/12/31/por-que-nao-desenhar-de-graca/

9 comentários:

Erick (Dinobonoide) disse...

Muito show esse texto. apesar de nao ter lido tudo uashusahsa... vo virar ilustrador *o*. e me juntar a lista de pessoas mais felizes do mundo : D

DensetsuWell disse...

Realmente tenho que concordar com isso. Até hoje ninguém entende meu fascinio pela arte do desenho. Desnhar é motivo pra preconceito, talvez porque em algum ponto as pessoas deixaram e(ou) se esqueceram de como é "SONHAR E TER IMAGINAÇÂO". É chato quando dizem que seus desenhos são obras malignas, diziam assim" esses olhos grandes não são boa influencia, isso é do mau" e eu respondia "PÔ mas é MANGÁ". Desenhar é o que me faz soltar a imaginação pra criar mil historias sem fim, e as vezes até me dá ideia pra escrever um livro( ou a ideia pro enredo, pois sempre ´da uma moleza na hora de escrever, mas as ideias sempre perduram).
Textinho longo, hein Gafanha? Isso vai ajudar bastante, um aviso de perigo, sempre é bem vindo .Meu objetivo é claro, é me tornar um ilustrador então, vou procurar me profissionalizar e se isso não dê certo ao menos terei um hobby ^^.

Valeu Gafanha. E não some, vc só aparece de vez em quando.

Douglas Dias disse...

Os textos do Hiro são sempre foda e muito coerentes, com inteligência sobre a profissão, assim como os textos do Montalvo. Ah se o mercado de ilustradores compartilhasse a mesma visão!

Aconselho a quem não leu o texto que assim o faça, vale a pena e também visite o blog (com mais textos inteligentes) do Hiro e do MOntalvo. Só digiar eses nomes no google que aparecem os blogs.

Erick (Dinobonoide) disse...

tipo... preconceito acho q não uashusa pelo contrário tem pessoas q só gostam de mim pq eu desenho uhasusahsa ninguém até hj me desestimulo todo mundo se amarra XD... as vezes fico até sem jeito com os elogios D: da minha amiga luana...
quanto ao lance do mangá é verdade tipo... c quizer conquistar todo mundo não faça mangá uhasusahuas opte pelo artistico ou pelo cartoon ou mistura isso com mangá... c não sempre vai ter um q não vai intender ... demorei bastante pra descobri isso , pelo menos comigo foi assim uashusausa desde q misturei o mangá com cartoon geral ta se amarrando mais aushusahsauas

rosendocaetano disse...

Não curti essa diferenciação que ele estabelece entre 'desenhista' e 'ilustrador', dizendo que um é mais profissional que o outro e etc. Pra mim é a mesma coisa. O que muda, na minha opinião, são os clientes a quem se dedica os trabalhos. Essa é a questão.

Erick (Dinobonoide) disse...

tipo eu concordo com vc rosendo... que eu acho é q ele pego uma coisa óbvia e escandalizou um kado Oo

DensetsuWell disse...

Concordo em parte. Erick, vc tem que entender que tbm vai da cabeça de cada pessoa, seus amigos podem curtir os desenhos...alias os meus tbm curtem os meus, a diferença tbm é a opinião de como as pessoas pensam em relação ao que se é proveitoso dedicar e investir o tempo. Afinal achar desenho bonito todos acham, só que investir nisso como um objetivo de vida está fora de questão e é por isso que pelo menos nessa região onde moro, ela é stigmatizada como coisa de vagabundo <=(. Varias pessoas assistem animes ou desenhos, comentam sobre eles e as vezes não falam de outras coisas...mas; tinha que ver uma epoca em que as crinças e adolescentes eram perseguidos por causa do jogo de cartas do Yu-Gi-Oh!( lembrava a inquisição), dizendo que aquilo causava influencia negativa e tudo o mais...foi o caos <|o.
E se quiser conquistar o mundo...o importante não é o estilo ou a mistura dos estilos de desenhos, mas sim as ideias que vc passa. Caro Erick, vc tem que entender que o coração das cartas é o que importa...nãO...perai...desenhista....desenhista, o coração dos desenhistas( caraca que gafe)(|..O estilo nada mais é do que a representação das suas ideias, se os desenhos forem bons e a ideia/historia tbm, vc conquistará o mundo, é nisso que acredito. Se vc duvidar de si proprio, não acreditar no seu proprio trabalho...nem adianta tentar. E acho tbm que estudar outros estilos e fundamental somente para não ficar preso a somente um,porem nosso coração sempre estará naquele que desenvolvemos por maior tempo( sempre viajamos mas nosso coração está no nosso lar).Por isso conquistarei o mundo com MANGÁ!!! XD
E Rosendo, talvez vc tenha razão. Essa hipotese não me passou pela cabeça.

Abraço pessoal, esse coment foi meio longo( duvido que alguém leia), até a proxima.

Erick (Dinobonoide) disse...

EU LI aushaushuas ! eu continuo pensando q tem certos estilos q atraem maior número de pessoas mas se não existe só um desenhiista... tem que ter vários estilos sim : D

Unknown disse...

Você sabe muito bem onde e como colocar as frases, Hiro.. me arrepiei em algumas frases.

Haha.. o tempo todo, realmente me pedem desenhos de graça.

Você trocou biologia por ilustração e não se arrependeu? Isso foi uma alfinetada.. eu quero/ia fazer biologia, mas agora estou mais dividido que nunca.

Obrigado pelas dicas...
- É, essa questão do dinheiro ainda me encuca, sabe.
- Mas tudo bem, rumo a Inglattera um dia.